Wednesday, November 29, 2006

Penso, logo omito. *Versão extendida*

Novas regras para um novo jornalismo

Por Caroline Valente

Característica inerente ao ser humano: busca da felicidade. Mas, o que é felicidade para o cara X, não necessariamente é felicidade para Y. Tantas discrepâncias quanto aos valores éticos, quanto à moral, que essa discussão acaba por se tornar vazia, sem fundamentos. É como duas pessoas que pertencem a diferentes culturas. Muda muita coisa.

Em busca dessa felicidade (pelo menos em nossa sociedade ocidental essa felicidade é privada, particular), passa-se por cima de muita coisa, muita gente. Por essas e outras, há, curiosamente, uma relação inversamente proporcional entre globalização e mídia: enquanto há cada vez menos barreiras simbólicas e maiores possibilidades de uma interação entre povos, sobretudo com a instantaneidade da aldeia virtual, cada vez mais o mundo gira em torno do eu. Somos uma sociedade pós-moderna vivendo os princípios de uma corrente filosófica surgida na Grécia pós-socrática: o Hedonismo, que já considerava o prazer individual e imediato o caminho para a felicidade. E o jornalismo, para não perder o trem, embarca na era das mídias “eucêntricas” (I-centric Journalism). O estouro dos blogs jornalísticos, dos podcasts de notícias, do sistema RSS (Really Simple Syndication), tudo facilita que o expectador escolha para digerir apenas o que estiver a seu gosto, como um menu à la carte. Mas, digerir tão saboroso alimento pode causar desconforto, uma vez que as questões de identidade e alteridade se chocam - o “eu” versus o “outro”.




Definindo o indefinível

Segundo o Dicionário Aurélio:
Identidade: sf. 1. Qualidade de idêntico. 2. Os caracteres próprios e exclusivos duma pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, etc.

Alteridade: do Lat. alteritate, diferença, diversidades.
sf. Fato ou estado de ser um outro (por oposição a identidade); qualidade do que é outro ou de uma coisa diferir de outra.

Nesta contraposição de valores, costumes e ideologias, vale tudo para que o “eu” vença. Alguém sempre está querendo levar vantagem, custe o que custar. E muitas vezes, para isso, omite-se. Esconde-se muita coisa. Já aprendemos a omitir coisas quando pequenos. De uma omissão inocente, vamos evoluindo, evoluindo. Até virar um PhD na mentira. A mídia, hoje, talvez seja uma pós - PhD em omissão. Imparcialidade? Talvez devêssemos extinguir esta palavra do jargão jornalístico.

O tratamento dado ao álter, o outro, vem se mostrando, sobretudo na mídia, tendencioso. O problema não é ter opinião, é utilizar-se das mais sórdidas artimanhas para manipular corações e mentes, e ainda dizer-se isento, meramente informativo. Dia a dia, ano a ano, podemos citar exemplos da manipulação, ou tentativa dela. Pensam que opinião pública e opinião do público são a mesma coisa. Mas não são. De tempos em tempos, elegem-se demônios a serem combatidos: já foi a vez dos comunistas. Hoje, está na moda satanizar o Islamismo, que virou – erroneamente - sinônimo de terrorismo. É a pós-modernidade, segundo o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas, que a vincula a tendências políticas e culturais neoconservadoras, determinadas a combater os ideais iluministas e esquerdistas – o marxismo – ideais marcantes na modernidade.

Papel original da mídia: Gatekeeper. A serviço do cidadão comum.
Mídia: talvez o maior poder, na atualidade. E a força de manipulação, direta e indireta, é incrível. E não é de hoje, mas o exemplo mais fresco é a reviravolta no 1º turno das eleições 2006, por conta da manipulação e omissão de informações e divulgação das fotos do ainda não esclarecido escândalo do Dossiê Vedoin, batizado de Dossiêgate, fazendo alusão ao Caso Watergate, que levou à renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon em 1974. Mas o que a mídia fez? Omitiu fatos. Não é só isso, mas é grave. Onde está a premissa básica do jornalismo, de ouvir os dois lados da história? Bobagem. Vamos refazer os manuais de jornalismo, rever as regras? O papel primordial do jornalismo não é dar a base para que o expectador possa construir seu conhecimento crítico? O que se vê é uma imposição de idéias prontas, acabadas, a serem diretamente injetadas no consciente, ou subconsciente, do público.

Novas premissas
Regra nº 1 - Esqueça os chavões "compromisso com a verdade”, “isenção”, “a serviço dos cidadãos".
Regra nº 2 - Temos o poder de mudar muitos cenários. Então vamos fazê-lo pender favoravelmente a nosso lado, ao lado de quem servimos. Custe o que custar.

Criticam tanto a mídia dos países "comunistas", "socialistas". Pravda, Granma. Mas, o que há de diferença entre esses veículos e os tradicionais? Ao invés de servir a um milionário que detém meio mundo, esses veículos servem e divulgam o Estado. O que muda? O patrão...

Wednesday, November 22, 2006

Pontapé na pobreza

Seleção Brasileira em preparação para disputar a Copa do Mundo de Futebol de Rua apresentou-se na Praça do Poupatempo Sé

Por Caroline Valente


Praça do Carmo, centro de São Paulo, todo dia uma rotina: passa por ali gente apressada, correndo para o trabalho; gente tentando ganhar a vida vendendo coisas na rua, segurando placa; gente que passeia, gente que mora nas calçadas. Cidadãos de todas as raças, idades, estilos, circulam pelo Poupatempo Sé em busca de um documento, uma informação, um serviço. Mais de 10 mil pessoas, diariamente.

Mas essa rotina foi alterada no dia 15 de setembro, uma sexta-feira de muito sol: o folclore se misturando à realidade urbana; o colorido ao cinza das ruas paulistanas; a música aos ruídos dos carros e dos ambulantes. Teve até jogo de futebol e capoeira. É que, na data, aconteceu na Praça do Poupatempo Sé o evento “Toca essa Bola”, promovido pela Organização Civil de Ação Social, que publica a Revista Ocas”, para apresentar a seleção que representou o Brasil na 4ª edição da Copa do Mundo de Futebol de Rua (Homeless World Cup), realizada na Cidade do Cabo, África do Sul. O torneio, cuja meta é “dar um pontapé na pobreza”, recebe seleções de todo o mundo compostas por pessoas em situação de rua.

O “Toca essa Bola”, que começou ao meio-dia, agitou a Rua do Carmo e a Praça do Poupatempo Sé com a apresentação do grupo folclórico Lira dos Autos, de Osasco, com a Dança do Boi e a Dança da Fita. Logo após, o cantor de reggae Enah Ha cantou o hino da seleção brasileira, intitulado “África, Berço das Civilizações”, com direito à coreografia de um grupo de jovens da Escola de Artes de Osasco. “Bate pra lá, bate pra cá, passa Senegal e Madagascar. No Continente Africano iremos ganhar”.

Logo em seguida ao hino, o time brasileiro, formado em sua maioria por vendedores da revista Ocas”, que estão ou estiveram em situação de rua realizaram um amistoso. A seleção é, no mínimo, curiosa: é formada por 8 jogadores, sendo 6 de São Paulo e dois do Rio de Janeiro; o jogador mais novo tem 22 anos, e o mais velho, 64; também há uma mulher no time, Tula Pilar, que além de vendedora da revista Ocas”, é poeta.

O evento foi finalizado com uma apresentação de capoeira e uma distribuição de pão e chá realizada pelo Sefras (Serviço Franciscano de Solidariedade). Durante todo o dia, camisetas e edições da revista Ocas” foram vendidas no local. Nos corredores do Poupatempo Sé, foi montada uma exposição, com capas da Ocas” e de outras publicações internacionais da rede Internacional de Jornais de Rua (International Network of Street Papers), a qual pertence a Ocas”.

O Mundial
A Copa do Mundo de Futebol de Rua aconteceu de 24 a 30 de setembro. A delegação brasileira enfrentou 12 horas de vôo, e, no mesmo dia, jogou três partidas. “Encaramos, logo de cara, os donos da casa. Vitória: 6x5! Na seqüência uma partida estupidamente violenta contra o Chile. Empate (3x3) e derrota nos pênaltis, o que rendeu um valioso ponto que acabou significando o primeiro lugar no grupo, uma vez que vencemos a Hungria no último jogo (5x4). Sete pontos para nós e seis para eles. Éramos 48 e já estamos entre os 24”, contou, via email, direto da Cidade do Cabo, o Presidente da Ocas”, Guilherme Araújo.

Mas a seleção brasileira acabou, conforme relatou Araújo, fragilizada: “A bruxa passou por aqui atormentando nossas estrelas. Entorse com lesão nos ligamentos do tornozelo do Wellington (metade do time; a outra é o Francisco) e Eduardo doente. Ambos fora de combate, mas medicados e em recuperação”.

Ao final do torneio, a grande campeã foi a Rússia, e a vice-liderança ficou com o Casaquistão. O Brasil, que sofreu importantes desfalques no time, ficou na 16ª colocação. “Uma grande pena! O time vinha muito bem e realmente encantando”. Mas, ao término da Copa, o Presidente da Ocas dá uma ótima notícia: ”Nosso craque Wellington foi convidado para testes em equipe profissional daqui - estamos negociando”.

Em 2007, a Homeless World Cup será sediada pela Dinamarca.


Curiosidades Homeless WorldCup 2006
(Informações do site oficial do evento – www.homelessworldcup.org)
7 dias de competição;
O time pode ser masculino, feminino ou misto (como foi o caso do Brasil)
Quase 300 partidas;
Cerca de 1800 gols (média de mais de seis por partida);
48 seleções (maior número desde a primeira edição);
496 jogadores;
270 voluntários trabalhando na organização do evento;
Mais de 250 membros da mídia internacional cobriram o torneio;
A partida final, entre Rússia e Casaquistão, foi transmitida ao vivo por um importante canal de TV da África do Sul (SABC).

Regras básicas do Futebol de Rua
4 jogadores por time (três mais o goleiro);
Cada comissão pode ter, no máximo, 8 jogadores;
Jogo: 2 tempos de 7 minutos cada
Campo: medindo 22m de comprimento X 16m de largura
Gol: 4m de largura X 1,30 m de altura X 1m de profundidade